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Chávez provocou amor e ódio, idolatria e nojo

Bob Fernandes*

Conheci Hugo Rafael Chávez Frías há 11 anos. Num domingo de março de 2002. Exatamente um mês antes do golpe de abril. De lá para cá, dezenas e dezenas de horas de conversas, uma boa parte delas gravada. Conversas sempre instigantes. Conversas em viagens pela América Latina, incluindo o Brasil.

Longas conversas no Palácio Miraflores e na Casona, a residência oficial. Conversas com um homem inteligente, arguto, sereno, ao contrário do que projetavam em sua imagem pública. Alguém assim definido pelo velho general, e mestre na Academia Militar, Jacinto Perez Arcay:

– Hugo não é apenas um jogador de xadrez. Ele enxerga o tabuleiro de uma outra forma, circular. A política para ele é, para além da concepção aristotélica, instinto, olfato, percepção, intuição para vasculhar um entorno vasto, tão vasto quanto os descampados nas planícies onde ele nasceu.

Amanhã pela manhã, a quarta-feira, 6 de março de 2013, nesta Terra Magazine e no portal Terra, um testemunho de alguns dos mais dramáticos, ou gloriosos, dias e momentos vividos por um homem que provocou tudo por onde passou, atuou e viveu. Provocou tudo, menos indiferença.

Uma porção da Venezuela o seguiu, o amou, o idolatrou, e assim seguirá sendo. A partir de agora ainda mais, como tão comum entre humanos.

Teve e tem adversários. Adversários porque pensam diferente, porque nele enxergavam e enxergam uma sucessão de equívocos e erros. Outra porção o odiou com todas as forças. Assim como os que nele viam um igual, um próximo, não poucos entre os adversários antes de mais nada sentiam asco, nojo de Hugo Chávez.

Sentiam o mesmo que, em outras plagas, sentem em relação a Evo Morales, a Lula. Um sentimento que está quase aquém, ou além da ideologia, da política -quando entendidas, tais expressões, no seu sentido apenas usual, pedestre. Asco, nojo, porque um sentimento que nasce da rejeição étnica, antes de tudo. Uma questão de pele.

Chávez era descendente de negros, índios e brancos. Um “zambo”, portanto, como se diz na Venezuela, tantas vezes com escancarado desprezo. Como se diz “um índio”, quando se trata de Evo Morales na Bolívia. Como se diz “um nordestino”, como se dizia, e ainda se diz em certas partes do Brasil, “um baiano”, um “paraíba”.

Historiadores, sociólogos, cientistas políticos se encarregarão da arqueologia da Era Chávez. Mas, antes mesmo deles chegarem a campo, há fatos que estão aí.

Hugo Chávez não sacudiu apenas a Venezuela. Para além da paixão e idolatria dos militantes, a rejeição, a oposição, o ódio mesmo que provocou e provoca por toda a América Latina, e não apenas, nada mais é do que o rastro de até onde chegou o menino pobre nascido nas intermináveis planícies de Sabaneta, em Barinas.

Haverá o tempo e a hora de falar, de relatar seus grandes erros, suas grandes vitórias. Mas, para quem com ele conviveu, é tempo de ainda começar a buscar a entrada no labirinto que leva a tão complexo e rico personagem.

Não esse personagem que pulava de manchete em manchete ao sabor dos editores e dos interesses – inclusive os seus. Não esse personagem para uso e desfrute de quem apenas busca a psicanálise neste imenso consultório sem divã, e sem terapeuta, a rede social. Não o líder que tanto incomodava por ter sob controle uma das maiores reservas de petróleo do mundo, e reservas para pelo menos um século.

O personagem mais agudo, mais distante da persona mesma, é o que encontrou os caminhos para vencer 15 de 16 eleições disputadas em 14 anos. Que venceu o golpe midiático-militar em 2002. Que transformou em vitória o fracassado golpe por ele liderado em fevereiro de 1992. Vitória essa construída na televisão, sempre na televisão, e com três palavras depois de já preso:

– Por ahora no…(Por enquanto não…)

Venceu porque conhecia profundamente sua gente -aí incluídos os adversários, e os inimigos da sua Revolução Bolivariana.

Venceu porque conhecia os caminhos, os atalhos, becos e quebradas da Venezuela que tanto amou. Inclusive os caminhos difíceis de percorrer, os do Poder, tantas vezes sujos. Sujos aqui, lá ou acolá.

Foi-se o personagem capaz de, num mesmo dia, recitar todo o Sermão da Montanha, de Nietzsche, de discutir trechos e trechos do último livro de Celso Furtado e pouco depois, num comício, levar a multidão chavista ao delírio com o fraseado de banheiro masculino:

– Mulher, esta noite eu te darei o que é teu…

*Bob Fernades – Foi redator-chefe de Carta Capital. Trabalhou em IstoÉ (BSB e EUA) e Veja. Repórter da Folha de S.Paulo e JB, fez “São Paulo, Brasil” no GNT/TV Cultura. Comentarista da TVGazeta e Rádio Metrópole (BA)

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